sábado, 2 de janeiro de 2010

D. Venusina, 47 anos a educar

Quem não recorda com especial carinho a professora D. Venusina?
Muitos terrabourenses estão-lhe gratos pelo seu entusiasmo e empenho, pelo seu incansável e permanente encorajamento, pela disponibilidade dispensada em todas as situações e, acima de tudo, pelas suas sugestões e orientações tão preciosas para a concretização de muitos projectos de vida. Nalguns casos, foi uma verdadeira mãe!
A postura vertical, a honestidade, a dignidade e a preocupação por ensinar, muitas vezes a custo zero, sempre pautaram a sua conduta. Todos os seus alunos recordam, certamente, o seu sorriso encantador, a sua empatia, a sua paciência e a sua boa disposição e alegria.
Muitos de nós, quando olhamos para o nosso passado, reconhecemos que fomos bons alunos e também pessoas com boa formação graças à “sementinha” plantada pela professora D. Venusina!



Maria Venusina Oliveira, em 1950, deixa a Póvoa de Varzim para leccionar na Escola Primária de Moimenta que, nessa data, contava apenas com duas salas de aulas. Instala-se com malas e bagagens na Pensão Rio Homem onde viveu durante quatro anos. Esta professora que veio para Terras de Bouro para permutar acabou por ficar na nossa Terra e casou com um terrabourense sobejamente nosso conhecido. Constitui família, viu crescer a escola de Moimenta para quatro salas e inicia uma nobre missão: contribuir para a formação integral de muitos jovens deste concelho. Depois das suas aulas decide dar explicações chegando a ter 50 explicandos, 30 dos quais fizeram o Magistério Primário. Manuel Amaro foi o seu primeiro explicando tendo-o preparado, com sucesso, para o exame do 2.º ano (actual 6.º ano). Outros alunos se seguiram e a procura foi tanta que obrigou a um outro tipo de organização. Abriu três salas de aulas: uma na casa da Guida, outra na casa Dantas e uma outra no rés-do-chão da sua própria casa. Uma verdadeira escola para combater o nível de desenvolvimento sócio-cultural muito baixo de então! Esta foi, sem dúvida, a resposta possível à falta de escola e ao isolamento até à abertura do ciclo. Com esta iniciativa considera que “ajudou muita gente a abrir caminho! Sem estas salas de aulas, muitos não teriam nada!”

Como uma mãe zelosa, acompanhou sempre os seus alunos a Braga quando estes iam realizar provas de exame. Alguns validaram as explicações recebidas na Escola Secundária D. Maria II, outros na Escola Secundária Carlos Amarante e outros na Escola Secundária Sá de Miranda.

“Foi uma vida muito vivida, mas que me valeu para eu conseguir viver aqui nesta Terra bonita que se perdia nos confins da estrada de macadame! Foi um escape para mim! O meu móbil nunca foi ganhar dinheiro porque as propinas que eu cobrava eram irrisórias e alguns dos meus explicandos, por falta de recursos, não pagavam nada”.

Na sua antiga casa, na adega entre os pipos de arcos ferrugentos, na sequeira entre os milhos e os feijões, todos sorviam e aproveitavam os seus ensinamentos. Recorda com um brilho de felicidade e orgulho nos olhos que quando saíam das suas explicações os seus alunos corriam felizes até ao antigo Grémio.

“Estive três meses de gravidez de risco do meu filho e, mesmo assim, dei explicações no meu quarto a três alunos. Não tínhamos quadro. Eles sentavam-se, em cima de uma manta, no chão, mas a força de vontade permitiu que fizessem com sucesso o exame do 2.º ano (actual 6.º ano).

Afluem-lhe à lembrança muitas coisas boas e recorda-se que a pedido do padre Joaquim Costa, pároco de Fiscal, chegou a dar explicações a uma aluna pobre que vivia num moinho e fez num só ano o 3.º, o 4.º e o 5.º anos (actuais 7.º, 8.º e 9.º anos). Foi uma das suas alunas mais brilhantes. Também se recorda de outros alunos inteligentes como foi o caso de uma aluna de Chamoim. Com o pai desta sua explicanda travou uma luta titânica porque ele não queria que ela estudasse e, quando a deixou vir às suas explicações, obrigava-a a vir sempre com socos e avental. Esta aluna sentia-se envergonhada entre os seus pares, mas como era esperta não esmoreceu. Foi bem sucedida e mais tarde fez o Magistério Primário!

Preparou regentes. Uma delas era de Santa Isabel do Monte e fazia quatro horas a pé, juntamente com a mãe, para vir estudar. “No fim-de-semana, quando aqui vinha dormia à noite na casa da Teresinha Paula”.

A Céu Sampaio, de Carvalheira, fez o 5.º ano (9.º ano) e emigrou para o Canadá. “Foi tão reconhecida que me enviou dois bilhetes de avião: um para mim e outro para o meu marido. Só eu aceitei o convite e fui visitá-la. Durante duas semanas conheci parte significativa do Canadá”.

Confidenciou que ainda conserva cartas de antigos alunos. Hoje, muitos são professores, outros são advogados, outros funcionários públicos… Alguns já se encontram aposentados.

Trabalhou, ininterruptamente, das 8 horas da manhã até às 10 horas da noite. “Esta vida dedicada à docência não trouxe sacrifícios à família”. Garante que nem os filhos ou o marido estiveram alguma vez desamparados. Confessa-nos que tal se deveu às boas empregadas domésticas que para si trabalharam.

Nas explicações, muitas vezes, leccionava níveis de ensino e disciplinas diferentes. “Mas se tivermos método e preparamos bem as aulas tudo é possível e mais fácil!”- garante.

Para além das explicações, leccionou na Telescola de Moimenta: Matemática, Francês e Ciências.

Fez parte no tempo da guerra colonial juntamente com a Rosa Santos da Cunha (esposa do Governador Civil) do Movimento Nacional Feminino que ajudava os soldados que se encontravam na guerra. “Vendíamos aerogramas, ajudávamos as famílias confortando-as assim como aos soldados”.

Foi primeira secretária, em Braga, da ACSJF (Associação Católica ao Serviço da Juventude Feminina) tendo ajudado muitas jovens e participado em reuniões em Lisboa.

Em 1984, foi a primeira presidente da Cruz Vermelha do Núcleo de Terras de Bouro que ajudou a fundar sendo para si uma experiência muito gratificante. Nessa altura, contou com o apoio e colaboração de muita gente da Terra. Também ajudou a fundar o Lar da Cruz Vermelha de Terras de Bouro juntamente com a Rosinha do Melo e o senhor Freitas.

Esteve nove anos na Delegação Escolar antes de se aposentar. Foram 47 anos dedicados à docência, tendo-se reformado com 65 anos.

Hoje, a nossa professora que já conta com 82 anos, não deixa de pensar nos jovens a quem dá os seguintes conselhos: “Não mintam! Estudem, para seguirem sempre em frente! Trabalhem porque o trabalho não faz mal a ninguém!”

Professora Venusina, OBRIGADO! Aqui deixo o meu agradecimento que não cabe nas palavras.

UM GRANDE BEM HAJA!

Publicado no jornal o "Geresão" em 20 de Janeiro de 2008.

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