quinta-feira, 28 de abril de 2011

Violência doméstica: um flagelo agravado pela crise

A crescente crise que o país atravessa, associada à forte conexão com a alteração dos estados de espírito das pessoas que afecta, pode estar na base do crescimento de um novo flagelo no Vale do Homem: a violência doméstica, perpetrada, não só, sobre mulheres, mas também sobre homens, idosos e crianças.
Disso mesmo dão conta os dados avançados pela Guarda Nacional Republicana, que criou já um departamento específico para o combate a este tipo de crime, muitas vezes, silenciado dentro das paredes de uma habitação. Ao todo, desde o início de 2009, foram já registados 500 processos desta natureza, no Núcleo de Investigação e Apoio a Vítimas Específicas da GNR (NIAVE). Há grupos etários e meses do ano em que a violência, física ou psicológica, se torna mais frequente e intensa.
Para combater este flagelo, a Guarda Nacional Republicana criou o NIAVE, que conta com militares especializados na investigação nesta área, nos postos de Prado, Vila Verde e Amares.
De acordo com o Cabo Alberto Mendes, militar do NIAVE do posto da GNR da Vila de Prado, “desde 2009 que se tem assistido a um avolumar deste tipo de situações”. Este ano garante, contudo, que “os números andam dentro dos valores verificados o ano passado”.
A violência, que diz ser física, psicológica, relativa ao abandono ou à privação económica é exercida, agora, também sobre idosos, que se vêm maltratados e privados, em muitos casos, das reformas a que têm direito.
Mas qual a efectiva relação do aumento deste tipo de criminalidade com a crise económica? Ora, nos casos da violência exercida, sob a forma de privação económica, sobre os mais idosos a resposta parece clara. No entanto, quando falamos de violência física, sobre mulher, criança ou homem, aí a relação poderá não ser tão directa. Ainda assim, o Cabo Alberto Mendes não exclui essa hipótese.
“Sabemos que são crimes sociais e que se interligam com a instabilidade emocional do indivíduo. Podemos dizer que este tipo de crimes resultam, por norma, da soma de um baixo nível de qualificação com a crise económica em vigor”, comentou o militar, sublinhando que “a crise não é resposta para tudo”. “Quantas vezes não vemos famílias sem problemas financeiros e com elevados níveis de instrução serem afectadas por este tipo de criminalidade”, interrogou-se.
Outro dos ‘mitos’ que importa quebrar é o que liga a violência doméstica à violência exercida, exclusivamente, por homens sobre mulheres. De facto, na maioria dos casos, assim é durante uns anos. Contudo, com o avançar da idade, o homem parece ficar mais vulnerável e, aí, a mulher parece aplicar aquilo a que se chama “justiça directa”.
Nos meios mais rurais, este tipo de problemas acaba por se arrastar por mais anos, o que, no entender dos agentes de segurança, resulta directamente de um maior atraso nas mentalidades. “Nas zonas urbanas, mal acontece um caso desses, tomámos conhecimento quase de imediato”, comentou o Cabo Alberto Mendes.A violência doméstica sobre crianças apresenta valores de menor frequência, no entanto há que manter sempre a atenção redobrada nestes casos. “Há casos em que se percebem esses problemas pelo estado em que as crianças chegam às escolas. No entanto, muitas vezes temos que estar atentos aos pequenos sinais”, avisou o militar da GNR, antes de garantir que, nos últimos anos, tem sido feito um esforço “enorme” pela divulgação de todas estas informações, nomeadamente, nas escolas junto das crianças ou chamando os adultos a palestras específicas.
No que toca à punição do crime em si, Alberto Mendes acredita que o sistema judicial português, pelo que a experiência lhe vai mostrando, tem optado sempre pelas medidas pedagógicas, em vez da punição efectiva do praticante do crime. Assim, foram já criados projectos na Universidade do Minho, com vista à reabilitação de pessoas que acabam com uma pena suspensa de um ou dois anos e que, findo esse período e uma vez reabilitadas, ficam com a sua ‘ficha’ limpa.
Primeiro trimestre costuma ser sinónimo de acalmia
Olhando para o mapa anual, e tentando perceber quais os meses mais complicados para as vítimas e aquele em que ocorre um maior número de crimes, verificamos que estes variam, ligeiramente, de ano para ano e de concelho para concelho.
Desta forma, em Vila Verde, no ano de 2009, os meses mais complicados viveram-se entre Abril, Maio e Junho, com 39 ocorrências verificadas. No mesmo ano, em Amares, os meses mais negros haviam sido Julho, Agosto e Outubro, com 35 crimes cometidos.
Já o concelho de Terras de Bouro, pelo reduzido número de ocorrências, apresentava números indicativos de alguma arbitrariedade.
Em 2010, as vítimas vilaverdenses estiveram mais frágeis nos meses de Março e de Junho a Dezembro, altura em que ocorreram 108. Por seu turno, em Amares, nos meses de Maio, Julho e Agosto verificaram-se 38 crimes desta natureza. Em Terras de Bouro, o mês de Abril foi particularmente negro, contando com quatro registos.Faixas etárias mais afectadas
Fazendo uma análise dos dados, em termos de faixas etárias mais vulneráveis, verificamos que a maioria das vítimas tem idade compreendida entre os 36 e 45 anos. Não será difícil imaginar que, neste caso, grande parte dos casos tem o homem como agressor e a mulher como vítima. Da mesma forma que, em idade avançada, se verifica maioritariamente o contrário.
Assim, em Amares, nestes dois últimos anos, 55 dos casos registados diziam respeito a pessoas com idades compreendidas entre os 36 e 45 anos. Em Vila Verde, 77 pessoas com este intervalo de idade eram também afectadas, enquanto em Terras de Bouro, dos 39 casos conhecidos, 15 se enquadravam neste intervalo.
De referir também, que, apesar do surgimento de novas formas de violência doméstica, as crianças e os idosos ainda são os que menos sofrem com este flagelo.Rede Especializada de Intervenção na Violência quer prevenir e apoiar vítimas
Promover respostas organizadas e encontrar soluções eficazes para prevenir e apoiar vítimas de violência doméstica são objectivos de um protocolo de cooperação que assinado segunda-feira em Abrantes, para a constituição da Rede Especializada de Intervenção na Violência.
Envolvendo uma parceria com o município de Abrantes, Centro Hospitalar do Médio Tejo, Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Abrantes e o Instituto Politécnico de Tomar, o protocolo visa “estruturar, implementar, desenvolver e assegurar” o regular funcionamento da Rede para promover respostas organizadas e facilitadoras da articulação de soluções eficazes na prevenção da violência doméstica e no apoio às vítimas.
Um objectivo “legítimo e comum”, disse à agência Lusa a presidente da Câmara de Abrantes, Maria do Céu Albuquerque, tendo observado que o projecto se traduz na disposição de “promover” a cidadania, a participação e a igualdade de tratamento entre pessoas.
“O propósito é criar as bases para uma intervenção articulada e concertada, com vista à prevenção da violência e à promoção de respostas protectoras e facilitadoras de inclusão das vítimas”, adiantou.
A autarca disse ainda que, tendo como base de trabalho uma “transversalidade integrada”, é possível “dar continuidade ao trabalho já desenvolvido e colocar a ênfase no desafio de agir no pensamento e agir na acção para a promoção efectiva da igualdade, da não discriminação, da participação e do desenvolvimento”.
O que se pretende, acrescentou, é “envolver” os vários parceiros sociais e a sociedade civil no sentido de potenciar a dinâmica de funcionamento em rede, rentabilizar recursos, concertando os objectivos da intervenção numa perspectiva integrada das várias problemáticas, dando enfoque à pessoa, no seu contexto de vida, e atendendo às suas características, às suas potencialidades e às suas necessidades específicas.
Baseado na “necessidade de fortalecer o modelo de gestão” com base em intervenções concertadas e adequadas às realidades de “uns e outros” na comunidade, os primeiros passos do projecto em rede passam por “consciencializar e sensibilizar” a população e os profissionais para a problemática da violência doméstica e de género.
“Formar e especializar” profissionais directamente envolvidos no atendimento à vítima, estabelecer um plano de actuação concertado e protocolado de apoio à vítima e “criar e assegurar” o funcionamento de um Serviço de Atendimento à Vítima são outros objectivos do projecto.
Fonte: Terras do Homem, em 28-04-2011

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