quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Vegetação original da Serra do Gerês está a ser morta pelas mimosas e acácias

O alerta é dado por um dos moradores mais peculiares do Parque Nacional da Peneda-Gerês: a vegetação original da Serra do Gerês está a desaparecer, para dar lugar à proliferação de acácias – também conhecidas por ‘austrálias’ – e pelas mimosas. Isto, “sem que os responsáveis do Parque Nacional tomem medidas concretas para travar este flagelo”. Emmanuel defende que estas novas plantas “estão a matar totalmente a montanha, destruindo a restante vegetação. Por isso, garante, continuará a “trabalhar no sentido de limpar, até onde possa, a serra desta praga”.
O trabalho é diário porque “esta é uma planta que não dá descanso”. “Tenho pena que o dinheiro que o Parque Nacional recebe, nas fronteiras da Mata da Albergaria não sirva para pagar a pessoas que limpem a montanha, nem tão pouco para dotar esta zona com equipamentos que permitam aos turistas ter alguma higiene quando vêm merendar para esta zona”, observou.
No seu entender, o Parque Nacional ainda “vai conseguindo alguma receita” que “não se traduz em investimento”. “Os incêndios têm destruído a vegetação original, substituindo-a pela mimosa. A madeira é vendida o que gera alguma receita. Por outro lado, ainda há os fundos adjacentes às portagens do Parque e o orçamento que vem do estado. Onde pára esse dinheiro, onde é investido”, questiona Emmanuel, que denuncia “falta de condições de higiene” para os turistas que sobem a Serra pelo lado da Vila do Gerês.“Faz-se tanta publicidade e depois não se cuida dos espaços e equipamentos façam as pessoas voltarem cá. Ao nível das casas de banho, por exemplo, simplesmente não existem. Por outro lado, as fontes que aqui há não são cuidadas. Toda esta zona, desde a Pedra Bela à Cascata Dourada, passando por outros sítios, não tem quaisquer condições de higiene. Existe sujidade ao pé das mesas, fontes, por todo o lado”, afirma Emmanuel, que passa os dias a limpar a montanha dos vestígios da passagem dos turistas por aquela zona e das pequenas austrálias e mimosas que vão surgindo na vegetação.
“Não fazem qualquer investimento em mão-de-obra que combata esta praga ou trate da limpeza da mata. Dá-me dó ver estas montanhas desta forma”, critica este morador solitário, que vive numa habitação improvisada no meio da montanha, há mais de 11 anos, e que defende que “uma coisa é gostar-se da montanha, outra coisa é ter-se consciência da necessidade que se tem da montanha”.Viver na serra, da serra e pela serra
Lisboeta de nascença, Emmanuel vive nas montanhas da Serra do Gerês há mais de onze anos, ininterruptamente. A sua presença tornou-se, de tal forma, marcante que poucos são os moradores da Vila do Gerês e os turistas habituais do Parque Nacional que não o conheçam. O dia-a-dia é passado a cuidar das limpezas das matas – entre a remoção do lixo deixado pelos transeuntes e a eliminação precoce das acácias e as mimosas que vão proliferando. A sobrevivência, essa, é garantida com o apoio de alguns amigos locais e de uma irmã “maravilhosa” que lhe vão fornecendo géneros alimentícios. Para seu abrigo, foi melhorando as condições de uma habitação improvisada no meio da montanha, com algum auxílio e compreensão dos responsáveis do Parque Nacional. Já nos últimos dois anos, o actual presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro, Joaquim Cracel, tratou de lhe garantir também uma instalação eléctrica, que lhe permita viver com “maior dignidade”. “Estou certo de que este novo presidente da Câmara Municipal é um homem de grande sensibilidade”, defendeu Emmanuel – pseudónimo que adoptou desde muito cedo.Desde os 22 anos com necessidade da montanha
Mas esta não é a primeira passagem de Emmanuel por terras do Gerês. A primeira remonta aos longínquos 22 anos de idade, resultante de uma história de amor infeliz que o levou a procurar revitalizar energias na tranquilidade da montanha. Nessa altura, as visitas eram frequentes e relativamente rápidas, durando apenas alguns meses.
Mais tarde, viria a emigrar para a Alemanha, onde viveu largos anos, foi motorista, casou e teve cinco filhos. Anteriormente, ainda trabalhou na Embaixada do Japão, em Lisboa.
Subitamente, há onze anos, sentiu um definitivo apelo da montanha e regressou à Serra do Gerês para aí criar raízes, recuperar energias e viver em contacto directo com a “essência humana”. Em conversa com o Terras do Homem, Emmanuel confessou que o seu sonho mais premente, do momento, passa por voltar a ver os seus cinco filhos, conseguir fazer com que o visitem no seu novo habitat.
Quando interrogado sobre as habilitações possui, estes habitantes da Serra do Gerês foi lacónico: “O que os homens julgam de muito elevado é abominável aos olhos de Deus. Ser-se doutor ou engenheiro não é ser-se superior. As pessoas que comigo se cruzam que não julguem as pessoas pelas aparências porque o estudo da vida é a verdadeira escola que deveria ditar a condução da vida de uma pessoa”, defendeu.
“Procurei fortificar-me, no encontro com a serra, quando alguns amigos me vieram cá trazer. Atravessava um momento complicado, depois da morte de uma amiga muito especial. A isso juntou-se o alívio por deixar de pertencer a um sistema no qual vivi mais de 20 anos”, contextualizou. Nessa altura, lembra, a empatia com alguns amigos do Gerês foi imediata, tendo começado a “fazer alguns trabalhos na pensão” onde ficou hospedado.
O prazer que lhe dá viver na montanha é tanto que Emmanuel garante que “a vontade de descer à civilização mais perto não é nenhuma”. “Nem à Vila do Gerês me apetece descer a maior parte das vezes”, confirma, defendendo que a forma como vive e pensa “é desprezada e ignorada pelas pessoas” e que as mesmas não entendem que o trabalho que realiza “também é para elas e para benefício delas”. “O povo que vem de longe, que nada compra e que apenas lhes deixa lixo nas montanhas, esse já é bem recebido. Enquanto as pessoas não acordarem para aquilo que devem defender, será difícil. Queremos um mundo melhor, mas ninguém se importa de cuidar por algo criado por Deus e que foi, em tempos, melhorado pelo homem”, lamenta.
À espera do reencontro com os filhos por quem trabalha
Emmanuel nasceu em Lisboa, em 1957. No ano 2000, depois de uma longa passagem pela Alemanha, regressou definitivamente às montanhas do Gerês, onde vive em contacto directo com a natureza “criada por Deus” e que “transmite a verdadeira mensagem de Cristo”. Pelo meio, atravessou uma separação da mulher com quem vivia e dos filhos que ainda sonha rever.
No entanto, nem sempre é fácil, ao homem moderno, sobreviver sem as condições mínimas de protecção do frio e da humidade. Assim, desde cedo procurou um abrigo, num espaço onde montou “uma espécie de tenda, construída nas ruínas” que cobriu com umas chapas de zinco. Emmanuel chama-lhe a “tenda do testemunho do Deus verdadeiro”.
“O pessoal do Parque viu que o trabalho que eu ia fazendo até era bom e reconheceu o valor do mesmo e também contribui”, lembrou Emmanuel. “No entanto, quando eu julguei que essa ajuda se ia manter, tive a decepção de ver que esqueceram completamente a minha situação”, acrescentou, lembrando que, “nessa altura, ainda entrava muito vento e frio”. Por isso, foi “melhorando aos poucos as condições de habitabilidade”, ao ponto de, hoje em dia, ter luz eléctrica na sua improvisada casa.
Agora, o objectivo é apenas um: trabalhar na montanha e melhorá-la sempre a pensar no futuro dos seus filhos. “Espero que um dia percebam que o trabalho que eu aqui desenvolvo é pelos meus filhos, pelo futuro do planeta onde vivem. E que as pessoas daqui entendam que o trabalho que faço, também é por elas. Desde que para cá vim, que penso no dia de ter cá os meus filhos. Há pouco tempo, comecei a ter contacto mais regular com eles. Espero que, em breve, possamos reencontrarmo-nos. Desde cedo que deixei expresso, numa carta que enviei aos responsáveis do Parque, que o trabalho que desenvolvo nestas montanhas visa apenas que, mais tarde, os meus filhos não sejam impedidos de andar livremente por esta serra, sem impedimentos”, reforçou Emmanuel.
Onde todos ajudam nada custa
No entender de Emmanuel, o trabalho que este desenvolve nas montanhas do Gerês acaba por ser um trabalho comunitário, de defesa de “algo que é de todos” e que nos foi “proporcionado pelo Criador”. Por entender que este esforço deveria ser valorizar, uma vez que beneficia todos os habitantes daquela região, Emmanuel lamenta que sejam “sempre os mesmos amigos a ajudar”, confessando algum desânimo, na hora de perspectivar o futuro. “Os meus amigos e a minha irmã ajudam sempre que podem. No entanto, era importante que as pessoas percebessem que não podem ser sempre os mesmos a ajudar quem trabalha, nestas montanhas, pela montanha em si e pelas pessoas que serve”. Ao longo de onze anos, sem uma actividade remunerada, ainda deverão ser alguns os momentos em que as necessidades apertam e a comida escasseia. Emmanuel desvaloriza. “A barriga pode estar cheia, mas se não estiveres bem interiormente, não vais querer estar saciado”, comentou. “No entanto, não sei por quanto mais tempo isto poderá ser possível. Se as pessoas não reconhecerem o valor deste trabalho e continuarem a desprezar o homem que luta por um bem que é de todos eles, não sei se continuarei por cá a cuidar da montanha, por muito mais tempo”, acrescentou, confessando que o que o deixa triste “é ver que as pessoas ainda ligam em demasia à imagem e não escutam a mensagem de um homem de cabelos brancos, que usa uma tira estranha na cabeça e que passa uma palavra que as gentes desta terra deveriam entender e que se prende com o contacto directo do homem com a natureza e o Criador”. Emmanuel deixa ainda um “alerta às gentes do Gerês” para o “julgamento” de que serão alvo pelo “desprezo que dão à montanha no seu cuidado” e pelo “não apoio” que lhe têm prestado, ao longo destes anos.
Fonte: Terras do Homem, em 29-09-2011

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